segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Religião e capitalismo

Religião e capitalismo

O objetivo deste trabalho é fazer uma breve análise do conceito “Espírito do Capitalismo” apresentado por Marx Weber em seu livro
Weber inicia com uma descrição provisória do que é o espírito do capitalismo, a partir de sentenças cravadas por Benjamin Franklin, onde ele afirma que: tempo é dinheiro, credito é dinheiro, a destruição de uma coroa (dinheiro da época), destrói tudo que ela poderia ter produzido, um grande numero de libras (dinheiro com maior valor); ou ainda, o bom pagador é o dono da bolsa alheia.
Esta filosofia da avareza aparece como o ideal de um homem honesto.O capital é tomado como um fim em si mesmo, dentro não de uma técnica de vida, e sim uma ética peculiar, uma máxima orientadora do modo de se relacionar.
Como podemos já notar nesta primeira passagem, Weber a explicação sociológica só pode captar determinados elementos da realidade, que são condicionados pela cultura no qual o sociólogo está inserido, para isto ele usa o conceito de “tipo ideal”que é definido como a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista se formando um quadro homogêneo de pensamento.
Dentro deste método, Weber vai tratar este “espírito” como uma ética de vida, um modo de ver e encarar esta existência.Ser capitalista, antes de tudo, não é exatamente ser uma pessoa avara, mas ter uma vida disciplinada de tal forma que as ações praticadas, sempre revertam em lucro.
É importante ressaltar que para os calvinistas, o cristão está no mundo para glorificar Deus, e deve faze-lo trabalhando, ou seja, o cristão que estiver reservado para ser salvo vai levar uma vida disciplinada e cristã: o resultado só pode ser o enriquecimento de seus bens materiais.
Weber vai tratar do dinheiro, “já reificado”, numa perspectiva próxima ao que Proudh pensa ao propor: que o dinheiro está exatamente na base do grande mal da organização social, e desta forma motivando o intercambio desigual entre capital e trabalho, juros extorsivos e crises em geral.É importante, no entanto, lembrar assim como Marx afirma: este “mal” está na forma social baseada no valor de troca, que dá o “substrato concreto” para o aparecimento do dinheiro.
Esta perversa tendência deste “fetiche monetário” também foi percebida por Bortkiewicz: o dinheiro é o responsável por todas contradições e antíteses imagináveis que recaem sobre o capitalismo, mas antes de ser uma artificiosa construção metafísica defendida por ele, ou o conceito de “espírito” de Weber , ela representa as condições reais de existência e as tendências evolutivas da ordem social burguesa, onde em uma sociedade de produtores privados e atomizados, o trabalho do individuo não é diretamente social, mas deve provar-se por sua própria negação de seu caráter original.Neste modo de produção inexiste a planificação social coerente submetendo-se tudo à cega ação das forças do mercado.”O movimento geral de sua ordem é a desordem”, e ainda,“O fetiche do dinheiro é apenas o enigma agora visível e deslumbrante do fetiche da mercadoria”.(RR,112)
Ou como, diz Marx nos Grundisse: “A essência do dinheiro é, em primeiro lugar (...), a atividade mediadora ou o movimento, o ato humano social mediante o qual se complementam reciprocamente os produtos dos homens, que é alienado e se converte em atributo de um objeto material exterior ao homem, o dinheiro. Quando o próprio homem aliena esta atividade mediadora, passa a agir como homem que se perdeu, se desumanizou; a relação dos objetos, a operação humana com eles, converte-se na operação de um ente exterior ao homem e superior a ele. (...) Sua escravidão atinge um ápice. Esse mediador converte-se então no verdadeiro deus, é a potencia real que domina tudo. Seu culto converte-se em um fim em si.Separados desse mediador, os objetos perdem o valor.Ou seja, só possuem valor na medida em que representam;originariamente, parecia que ele(o mediador) só tinha valor na medida que o representava.”(RR,117)
A sociedade privada deve desdobrar-se em direção do dinheiro porque o homem na sociedade necessita intercambiar bens privados avançando em direção do valor.Isto se deve pelo fato que o movimento que intermedeia esta troca, não é uma relação humana, e sim uma relação abstrata entre propriedades privadas determinada pelo valor, cuja concretização na realidade é dada pelo dinheiro, com o objeto perdendo a característica de “pessoal”, manifestando-se a dominação do objeto (e, portanto, do dinheiro) sobre o homem.O que era dominação de uma pessoa sobre outra pessoa (senhor e escravo), passou a ser o domínio universal da coisa sobre os homens, do produto sobre o produtor.Ou seja, no valor já se encontra a alienação da propriedade privada, o dinheiro é a objetivação dessa alienação. (RR,118)
É importante ressaltar que o dinheiro se torna independente, tanto em relação à sociedade como ao individuo(...)passando a representar o valor de todas as coisas, pessoas e relações sociais.(RR,135)Isto resulta num individuo aparentemente desconectado do restante da sociedade em busca e na idolatria do Deus-Dinheiro, tendo a educação, como veremos adiante, uma fabula ou uma cenoura em frente do nariz para manter o trabalhador assalariado em seu sonho de consumo e ascensão social.
Otto Bauer firma que a “falsa racionalização é uma racionalização que, embora diminua os custos de produção de uma empresa isolada, aumenta os custos sociais de produção, de modo que enriquece o individuo e empobrece a sociedade. (RR,435)
Este fetiche do dinheiro, aliado à “ética” de Franklin, está ligado à obtenção de mais e mais dinheiro, combinada com o afastamento de todo gozo espontâneo da vida, como veremos mais adiante, sendo destituída de qualquer caráter eudemonista ou mesmo hedonista, com um sintomático afastamento do prazer e da felicidade.É uma finalidade em si, acima até à felicidade ou utilidade do individuo.Algo transcendental e puramente irracional com o homem dominado pela produção de dinheiro e pelo trabalho, ao invés de ser o meio para satisfazer as suas necessidades materiais.
Esta inversão de uma relação natural, tão irracional num primeiro momento, é evidente um princípio orientador do capitalismo e estranha aos povos fora deste regime, bastando lembrar que na França de Luiz XIV, o trabalho não era visto com bons olhos.
O trabalho como uma idéia peculiar do dever profissional, tão familiar nos nossos dias, na realidade não é tão evidente e faz parte da ética social da cultura capitalista, o próprio Marx critica esta ética através da frase presente no “Gothaer programmetwurf”, “O trabalho é a fonte de toda riqueza e de toda cultura”, afirmando que: “os burgueses têm boas razões para atribuir ao trabalho uma força criadora sobrenatural; porque precisamente da natureza do trabalho resulta que o individuo que não dispõe de outra propriedade a não ser sua força de trabalho, deve em todos os estados sociais e culturais permanecer escravo de outros indivíduos que se tornaram proprietários das condições objetivas de trabalho”.(MB,54)
A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos onde o individuo ira viver, obrigando-o, na medida que é envolvido pelas relações de mercado, a se conformar com as regras de ação capitalista.O trabalhador que não se adaptar a estas regras será lançado à rua sem trabalho, uma vez que os meios de produção se encontram nas mãos dos capitalistas.
Weber acredita que em certas regiões o espírito do capitalismo estava presente antes mesmo do desenvolvimento capitalista.Cita o caso da Nova Inglaterra, que apesar de fundada por pregadores e formados em curso superior tiveram um desenvolvimento capitalista mais acirrado que os estados do Sul fundados por grandes capitalistas.Este menor desenvolvimento, no entanto, pode ter outras raízes como, por exemplo, a falta de “consciência” dos trabalhadores.
Um dos principais obstáculos ao desenvolvimento capitalista é esta “falta de consciência dos trabalhadores”, ou seja, o capitalismo não pode utilizar-se do trabalho daqueles que praticam a doutrina do livre arbítrio Este obstáculo esta fortemente baseado na tradição, onde esta procura pelos lucros num primeiro momento, não foi encorajada, mas sim colocada como um fato infelizmente inevitável. Este parece ser o caso da constituição do capitalismo na Itália, onde se estabeleceu uma complexa relação entre cidade e campo, com a não integração da região meridional camponesa ao processo de modernização econômica e política acentuando as distancias econômicas e culturais existentes no momento da unificação(AS,19)
Para se entender a resistência a este novo sistema dentro da tradição, Weber apresenta o sistema de pagamento por unidades de produção na agricultura que é quase adotado universalmente.Ele demonstra que a implementação de uma forma de pagamento de acordo com a eficiência registrou uma diminuição na produção, porque a oportunidade de ganhar mais era menos atrativa que a possibilidade de trabalhar menos.
O tradicionalismo esta presente no fato que o homem por natureza não quer ganhar cada vez mais, mas sim viver como estava acostumado e ganhar o necessário para este fim.Ainda hoje quanto mais atrasada estiver a economia, mais dificuldade é encontrada para lidar com as forças de trabalho.
A partir desta constatação, o sistema tentou a política oposta forçando o trabalhador trabalhar mais para receber a mesma soma que recebia antes, por séculos foi um artigo de fé que os baixos salários eram produtivos.
Esta política esta atrelada à existência de mão de obra farta, que é claramente uma necessidade para o desenvolvimento do capitalismo.
Esta afirmação de Weber parece estar concernente ao que Marx escreve na “Teoria do trabalho assalariado”, onde esta esboçada como o salário desenvolvido sobre o tempo de trabalho como padrão imanente de valor de troca, ou ainda a quantidade de valor que o trabalhador recebe no intercambio com o capital se mede pelo trabalho objetivado para reproduzir sua capacidade de trabalho, ou seja, conservar fisicamente o trabalhador e sua descendência.(mão de obra farta).
O modo como se determina a quantia que o trabalhador recebe como salário, que como vimos no exemplo do salário na Agricultura, “depende tão pouco da relação geral que não podemos compreendê-la a partir dela”.O “movimento geral do salário” depende das leis que regem o mercado(de uma forma diferente do mercado de mercadorias), e cuja investigação exige uma teoria especial de trabalho assalariado.(RR61)
Isto ocorre, uma vez que no mundo real, o capital se esforça para incrementar a sua própria valorização, de um lado mediante a redução do salário para um nível abaixo do valor da força de trabalho, pelo prolongamento acima do normal da jornada de trabalho, pratica do trabalho noturno e a incorporação de mulheres e crianças à população trabalhadora.Mas Marx aponta ainda nos “Grundisse”, que é necessário entender essas contradições a partir de relações gerais, e não trapaças feitas por este ou aquele capitalista.(RR,62)
Weber continua a sua explanação: É importante que durante o turno de trabalho, o trabalhador não precise se preocupar com o ordenado, este trabalho deve ser executado como um fim absoluto por si mesmo, como uma “vocação”.Tal atitude, como já vimos, não é absolutamente um produto da natureza.
Esta “vocação” não pode ser provocada por salários altos ou baixos, e sim por um longo e árduo processo de educação.O conceito de vocação dada por um caráter ascético que é dado pela disciplina e rigor com que o trabalhador deveria se dedicar ao trabalho se encontra presente na concepção de vocação dada por Lutero; quanto mais as pessoas aceirarem suas tarefas profissionais como um chamado de Deus (vocação) e as cumprissem com disciplina, mais aptas estariam para se salvas.
Hoje, em todos os paises industrializados, pode-se com relativa facilidade recrutar esta força de trabalho, mas no passado este era um problema sempre de difícil solução.
Esta dificuldade na contratação de trabalhadores fica ainda mais clara, se levarmos em conta, que é difícil acreditar que no surgimento do capitalismo existisse de fato uma grande diferença entre a habilidade pessoal e os segredos comerciais do artesão e a moderna técnica cientifica e objetiva.
A atual facilidade de recrutamento de trabalhadores parece estar justificada, tanto pelo excedente de mão de obra, quanto da educação estabelecida.Para tal, nos parece esclarecedor o texto de Walter Benjamim a respeito da vida dos estudantes.
Ele inicia o texto dizendo que a forma de ver historia é parcial, pois vemos através do viés do progresso, e que os elementos do estado final afloram a superfície enquanto tendência amorfa de progresso, mas engastados no presente como criações e os pensamentos mais ameaçados, difamados e desprezados.Trazer este passado de uma forma pura e visível é a tarefa histórica.
Este estado não pode, contudo ser parafraseado com a descrição pragmática de pormenores (instituições, costumes, etc), descrição da qual ele antes se furta, mas só pode ser apreendido em sua estrutura metafísica, assim como o reino messiânico ou a idéia da revolução francesa.(BR31)
A visão dos estudantes que a ciência é uma escola profissionalizante, uma vez que a “ciência não tem nada a ver com a vida”, faz com que eles esperem que ela molde a vida de quem a segue, numa clara alusão ao fato de que a Universidade como reduto de ciência em contraposição a “fundar uma comunidade de pesquisadores em lugar de uma corporação de funcionários públicos diplomados”. (33)
As normas são ditadas pelo ministro da Cultura que é nomeado pelo soberano e não pela Universidade, numa correspondência semivelada da burocracia acadêmica com os órgãos estatais.(34)
Esta posição de Benjamim tem total concordância com Horkheimer, quando ele relata que boa parte do trabalho realizado nas universidades anglo - saxônias, oferecem certamente uma imagem que parece estar mais próxima exteriormente da vida em geral dentro do modo de produção industrial do que a formulação de princípios abstratos e ponderações sobre conceitos fundamentais em gabinete, como foi característico de uma parte da sociologia alemã.(PH,127)
Desta forma, aquele espírito tolstoiniano que escancarou o abismo descomunal entre existência burguesa e proletária, o conceito de que servir os pobres é uma tarefa da humanidade e não atividade secundaria do estudante, (...) aquele espírito que nasceu das idéias dos mais profundos anarquistas e em comunidades monásticas cristãs, o espírito social que nunca precisou de tentativas infantis de empatia com o trabalhador, não vicejou em comunidades estudantis.Isto porque nas questões essenciais, o “estudante livre” não acrescenta nada em relação às corporações, e a sua eficácia é ainda mais perigosa porque a sua tendência burguesa, mesquinha e indisciplinada, reivindica para si, na vida universitária, a reputação de combatente e libertador.(38)
A falsificação do espírito criador em espírito profissional, que vemos em toda parte, apossou-se da universidade e a isolou da vida intelectual criativa e não enquadrada no funcionalismo publico.(39)
Para Benjamim, estes estudantes deveriam envolver a universidade num espaço de uma permanente revolução intelectual, com questionamentos mais abrangentes que as questões cientificas, de maneira mais incerta e inexata, e talvez brotando uma intuição mais profunda.Numa função criativa, convertendo em questões cientificas, através de um posicionamento filosófico, as idéias que antes encontramos mais comumente na arte e na vida social do que na ciência.
No que diz respeito à tecnologia, Weber num afã de defender o seu “espírito do capitalismo” volta a apresentar um Franklin impregnado por este espírito, quando seus negócios de impressão não diferiam muito de qualquer empresa artesanal e para mostrar com esta tecnologia era semelhante entre capitalistas e artesãos, e coloca a tese que “a destruição das ferramentas dos trabalhadores metodistas na Inglaterra ter como objetivo a sua falta de disposição para o trabalho remunerado, ao invés dos alegados motivos religiosos”.
No entanto, Weber esquece que além da tecnologia, existia toda uma ideologia própria da burguesia que existe um anseio otimista pelo novo, representado pelo avanço tecnológico, que Hardmann apresenta em a “Grande Exibição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações”: Do deslumbrante Palácio de Cristal em Londres (1851) à sublime Torre Eiffel em Paris (1889): entre a transparência do vidro e a maleabilidade do ferro, desvela-se muito mais do que um ensaio de combinação de materiais, a própria exibição universal da civilização burguesa (...). Encontraram-se ali o ideal obsessivo do saber enciclopédico e o não menos conhecido europocentrismo, garbosamente fantasiado de cosmopolitismo liberal e altruísta.(...).Emoções do maquinismo, cruzamento entre fios da razão iluminista e da sensibilidade romântica(...)Alguns souberam tirar dali proveito próprio e, quando isso aconteceu, negócios prosperaram e impérios cresceram.
A seguir, Weber apresenta o hábito, como a principal barreira ao desenvolvimento do capitalismo citando o exemplo da industria alemã, onde as mulheres solteiras, e portanto, com menor grau de responsabilidade têm dificuldade de largar métodos herdados em contraposição de moças com formação religiosa que tem mais facilidade em assimilar novos métodos.A capacidade mental e o sentimento de obrigação são totalmente essenciais para a capacidade de produção.
Estes fatos fornecem uma base mais favorável para a concepção do trabalho como um fim em si.
Esta conexão de adaptabilidade do capitalismo a fatores religiosos pode ter surgido na época de seu desenvolvimento inicial.
Esta conexão entre fatores religiosos e capitalismo parece mais importante que numa primeira analise preliminar, haja visto, a influência da educação católico-jesuítica na política e educação da sociedade italiana conforme analise de Gramsci : A Igreja se beneficiou política e culturalmente em diversos momentos históricos, com o fato de embora os burgueses fossem anticlericais e maçônicos, não conseguiam se opor à ação do clero, e desta forma necessitou do apoio dela.Este pacto resultou na subordinação indireta do Estado a Igreja, com esta passando a executar seu programa clerical pela implantação de uma rede de escolas e jornais, funcionando quase que sob as expensas do Estado, um trabalho de propaganda que para ele salienta ser realizado “contra a civilização laica e liberal, pagas em parte pela organização política desta civilização” (AS38)
A antítese aparece quando o capitalismo procurava avançar e necessitava que os mitos tradicionais inerentes à família e à religião se dissolvessem, em oposição a uma Igreja que também enfrentava conflitos internos entre tendências conservadoras e modernas que tentavam compor “no âmbito religioso, os conflitos emergentes na sociedade moderna”.(AS39)
A experiência com jovens na industria alemã parece bastante análoga ao “conformismo” gerado por esta pratica religiosa do povo da Itália, com as pregações que recomendavam a resignação e exerciam grande influência sobre a vida das crianças e dos jovens, criando um estado de ânimo difícil de combater, porque não tinha bases racionais.
Para Gramsci, os trabalhadores tinham que se opor a este tipo de educação para levar adiante o seu projeto socialista, esta crítica era urgente, uma tarefa que não cabia só as mulheres mas também aos homens, que deveriam participar com suas idéias e princípios, educando os filhos, com base na mais ampla liberdade de consciência.(AS41)
Esta influência ideológica da Igreja se complementava nas escolas católicas, onde se formavam os intelectuais leigos que atuavam nas organizações religiosas e na sociedade civil, mas Gramsci mostra que apesar de tudo, como as contradições permeavam o processo de adaptação da Igreja à sociedade capitalista: se por um lado, esta instituição conseguia recuperar alguns privilégios e ampliar seu poder por meio da difusão ideológica e do ajustamento à idéias e situações modernas, por outro, precisava enfrentar crises internas que ameaçavam a sua estrutura hierárquica e que resultam precisamente deste processo de adaptação.(AS42)
Na verdade a Igreja já havia a muito se afastado dos ideais do cristianismo primitivo e da autenticidade da pratica dos primeiros cristãos.Gramsci mostra através de artigos, que é impossível se formar um católico integral enquanto norma de vida.(AS42)
Desta forma, para Gramsci, a cultura não pode ser tratada abstratamente e para as classes trabalhadoras prepararem a revolução, existe também a necessidade de elaborar uma nova concepção de mundo fundada na re-interpretação da historia para assumir como sua a herança cultural da humanidade; tal ação implicava em romper com os estreitos limites da democracia burguesa que geram a indiferença e o ceticismo, para desenvolver uma nova sensibilidade histórica.”É necessário perder o habito e deixar de conceber a cultura como saber enciclopédico”.(AS44)
Na continuidade, Weber cita Sombart em sua discussão sobre a gênese do capitalismo, que aponta para a “satisfação de necessidades” e “aquisição” como dois princípios orientadores sobre o qual se desenvolveu a historia econômica.
No primeiro caso a obtenção de mercadorias necessárias à satisfação pessoal, e no segundo, uma luta pelo lucro livre dos limites impostos pelas necessidades.
Para isto ele recorre a um exercício de imaginar uma sociedade tradicional, onde a vida do produtor era muito confortável numa rotina, onde os camponeses vendiam os seus tecidos por preços razoavelmente costumeiros, o produtor recrutava os seus clientes de tempos em tempos numa competição de grau de relacionamento relativamente bom, com uma visita diária à taberna para beber com os amigos.
Esta forma de organização é claramente capitalista, com a atividade do empreendedor puramente comercial, o uso do capital de giro no negocio era indispensável e a contabilidade era racional.Temos que considerar, no entanto, que o espírito que animava este empreendedor, um negocio de cunho tradicionalista: o modo de vida tradicional, a taxa do lucro, a quantidade de trabalho, as relações do trabalho e o circulo de clientes, toda esta orientação de negócios de base tradicional se colocava na base da ética deste homem de negocio.
Em determinado momento esta vida de lazer foi convulsionada, um indivíduo qualquer saído de uma destas famílias produtoras, contrata tecelões como empregados, aumenta o grau de supervisão sobre o trabalho, e sai a busca do consumidor final, visitando-os com maior freqüência, ajustando padrões de qualidade às necessidades dos mesmos, e introduzindo os conceitos de “baixo preço” e “grande giro” num processo de racionalização.
Esta visão de Weber se encontra na idéia de tipo ideal, com alguma semelhança com a filosofia neokantiana, onde os estudos de fatos devem ser desprendidos de qualquer juízo de valor e especulação metafísica deveria estar no quarto de “despejo”.
Esta visão é totalmente contestada por Lukács que afirmava poderem as limitações inerentes à cognição humana, ou a barreira intransponível entre estudo cientifico de “fatos” e “juízos de valores” serem vencidas ao voltarmos a filosofia de Hegel, e a aparente irracionalidade da existência não passa de uma doença cultural, sendo simplesmente conseqüência da “reificação”.(GL,60)
Este viés colocado pela ética kantiana, levada como uma máxima pelos neokantistas, onde “o ideal é aquilo que deveria existir mais “não existe”, foi trabalhado por Lukács em “Historia e consciência de classe”, num claro retorno a Hegel derrubando esta barreira intransponível entre o “é” e o “deve ser”.
Esta obra que só foi levada a serio por Marcuse, Adorno e Benjamim quando da Escola de Frankfurt, se colocava contrariamente ao ensaio de Engels a respeito de Feuerbach, trazendo o homem numa totalidade, na qual a sua essência é levada a conformar-se com a sua existência, “ser ai”: O “sujeito-objeto idêntico” realiza-se a si mesmo no processo histórico, ao vencer a alienação imposta aos homens por circunstancias materiais criadas per si, e a revolução proletária constitui (...) a “realização da filosofia”.(GL64)
Um importante fator, que Weber não analisa, neste trabalho, é o Estado, denunciado por Marx como sendo o instrumento da classe dominante e a hierarquização das relações entre burgueses ricos e trabalhadores assalariados, pois muitos destes, na concepção da burguesia, permaneciam em situação de miséria por causa de sua condição “natural” de inferioridade. Esta inferioridade é muito bem explicada por Eric Hobsbawm : a burguesia estava dividida em relação à natureza daquela inferioridade das classes baixas,inferioridade sobre a qual, no entanto não havia desacordo.Como o sucesso era devido ao mérito pessoal, o fracasso era claramente devido à falta de mérito. A ética tradicional burguesa, puritana ou laica, havia determinado que isso era devido mais à fraqueza moral ou espiritual do que à falta de inteligência, pois estava evidente que cérebro não era uma necessidade indispensável no mundo dos negócios.(num parecer de certa forma semelhante ao pensamento de Franklin) (...) e isto implicava não apenas inferioridade, mas idealmente uma inferioridade aceita nas relações entre homens e mulheres. Os trabalhadores, como as mulheres, deveriam ser leais e satisfeitos. Se não o fossem, era devido àquela figura crucial do universo social da burguesia, “o agitador de fora”. Embora nada fosse mais óbvio a olho nu que o fato de que os membros de sindicatos eram sempre os melhores trabalhadores, os mais inteligentes, os mais bem preparados.(AV,)

Conclusão:
Com o advento da sociedade industrial, ocorre uma completa reorganização da sociedade, com a atividade humana passando a ser considerada mera engrenagem no conjunto do processo industrial.
Weber traça o quadro do nascimento e desenvolvimento da modernidade sendo caracterizado principalmente por esta racionalização.Para empreender o seu estudo da modernidade, ele se dedica neste texto a entender a relação entre o protestantismo e a conduta econômica capitalista.Ele vai buscar as origens do capitalismo, que é para ele a grande marca da civilização ocidental, verificando a influência da religião na origem deste sistema, mas não podemos deixando de buscar elementos que identifiquem o progresso deste processo da racionalização.
A racionalização, a crença em uma Razão que se desenvolve ao longo da história, tomando consciência de si mesma à medida que avança, e neste processo determinando o mundo dos homens, representa uma concepção indiscutivelmente ligada ao nome de Hegel e a Revolução Francesa está no cerne de toda transformação da sociedade rumo a uma burguesia que vai instaurar a revolução industrial.
Para Gramsci, a Revolução Francesa é um exemplo de como a política e a cultura são interdependentes.A cultura se apresenta como uma critica elaborada com base nos acontecimentos sociais e políticos, que permite explicar a situação e unir os indivíduos num amplo movimento que se estende à massa dos que sofrem com a mesma opressão.A critica possibilita avançar de uma compreensão fragmentária e imediata dos fatos para uma visão universal e coletiva, alterando o modo de viver e de sentir.
Na contramão porem deste processo de união está o caráter mecânico se estende da indústria a toda atividade humana, agora passível de quantificação numérica. Este processo de individuação pode ser verificado na afirmação de Maria Stella Bresciani: o homem ao sobrepujar-se à natureza, havia caído na armadilha de sua própria astúcia [pois] a cidade representa o [...] lugar onde a subordinação da vida a imperativos exteriores ao homem se encontra levada às últimas conseqüências”, ou quando Valéry descreve um dos elementos desta civilização técnica: “o homem civilizado das grandes metrópoles volta a cair num estado selvagem, isto é , em estado de isolamento.A sensação de estar necessariamente em relação com os outros, anteriormente estimulada pela continua necessidade, embota-se pouco a pouco pelo funcionamento, sem atritos do mecanismo social.Cada aperfeiçoamento deste mecanismo torna inúteis indeterminados atos, determinados sentimentos e emoções.”
O conforto isola.(54)
Esta união proposta por Gramsci através da cultura, que vai contra ao individualismo do sistema capitalista, também está presente em Marx: a união não é só aproximação de corpos físicos (...) é educação recíproca e recíproco controle.
Esta cultura, presente através da ideologia aparece a partir da filosofia como a historia de uma época, ou a massa de variações que o grupo dirigente logrou determinar sobre a realidade precedente, portanto elas, a historia e a filosofia, formam um bloco histórico.O papel desta filosofia no seio do bloco ideológico é representado pela influencia sobre as concepções de mundo difundidas no interior das classes auxiliares e subalternas (senso comum).
Ele continua, afirmando que: qualquer filosofia histórica deve se afastar do senso comum, tendo o cuidado, no entanto, de permanecer em contato com estas camadas populares, “a fonte dos problemas a estudar ou a resolver”.A resolução desta relação deve ser assegurada pela política que assim assegura a unidade do bloco histórico.(HP25)
A estrutura ideológica da classe dirigente, “organização material destinada a manter, defender e desenvolver a frente teórica”, ela é formada por todos meios de comunicação social e todos os instrumentos que permitem influenciar a opinião publica.(HP27)
É importante a sua visão com relação ao vinculo do intelectual e a classe fundamental a medida que: “Não existe uma classe independente de intelectuais, mas cada grupo contem as suas próprias camadas de intelectuais , ou tende a forma-la”.Desta forma, as mais importantes estão inseridas dentro do grupo dominante, formando-se categorias especializadas para exercer esta tarefa em conexão com os grupos sociais mais importantes, este vinculo é particularmente estreito quando o intelectual se origina na classe em que ele representa.Como as classes subalternas têm que “importar” os seus intelectuais estão vulneráveis, pois a “consciência de classe” de seus intelectuais pode ser menos elevada e estes podem ser cooptados pelo regime dominante.(HP,85)



BENJAMIM,W. “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação”(BR)
BENJAMIM,W. “Modernidade”(BM)
ELIAS,N. “A sociedade dos Indivíduos(NE)
HORKHEIMER. “Teoria tradicional e teoria critica”(PH)
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ROSDOLSKY,R. “Genese e estrutura de “O capital” de Karl Marx”
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WEBER, M. “O capitalismo e a ética protestante”

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